Quanto um jogo já te lembrou do passado?

Victor Andeloci    02/10/2019

"Ah, cara… esse é mó dahora, só que ele é meio curto. Vc tem várias habilidades e tals… os boss são bem fodas, mas eu acho que terminei em menos de duas horas." - disse Rodrigo me entregando um DVD pirata de Castlevania: Curse of Darkness. - "Já que vc tá sem nada pra jogar, vale a pena."

"Mas é tipo o quê? God of War? Não curto muito…"

"Não! É mais RPG… acho que vc vai curtir"

Ele me entregou o DVD e guardei junto com outros jogos esquecidos por umas três semanas. O disco ficou lá até que eu terminei Midnight Club 3. Aí sim, fiquei sem realmente nada para jogar, até que lembrei do Castlevania.

Castlevania: uma paixão da infância

Em um primeiro contato com a série, alguns elementos se sobressaem: a ambientação gótica, habilidades, vários combos com diferentes estilos de combate, o design dos monstros, os familiars (pets) com inúmeras habilidades que não apenas te ajudam no combate, mas também a progredir durante o jogo, a exploração do castelo, os puzzles e mistérios para desvendar.

Drácula, seu castelo e todo o misticismo que aquele horripilante cenário apresentava, somado aos elementos da clássica obra de Stoker despertavam uma vontade interessante: desbravar e se aventurar por seus terríveis corredores. Se tem uma coisa que o IGA (idealizador da série) sempre prezou em seus jogos foi a trilha sonora e arte. Curse of Darkness contava com as brilhantes Mishiru Yamane e Ayami Kojima para tal. Curse of Darkness acabou me apresentando ao estilo Metroidvania de uma forma incrível, o qual me cativou do começo ao fim.

Arte de Ayami Kojima em SOTN

Determinado dia, Rodrigo veio me visitar. Eu estava jogando Castlevania e ele, ao olhar para o jogo, fez uma cara de estranhamento.

"Que foi?"

"Sei lá, não lembro dessa parte…"

"Pois é, vc falou que o jogo acabava rápido. Até que é grandinho…"

Nessa época, tínhamos o costume de levar nossos memorycards um para a casa do outro, porque era útil usar os saves mais completos em determinados jogos. Carregamos o save que ele tinha de Castlevania e percebi algo realmente engraçado na hora: Rodrigo ainda se encontrava no começo do game!

Existe uma “falha” em Castlevania: Curse of Darkness que é a seguinte: após o segundo ou terceiro boss, se você não olhar para um determinado ponto do mapa, pular e utilizar a habilidade de um pet para chegar lá, não é possível avançar. Digo que é uma falha pois, se você não reparar que existe uma espécie de plataforma do outro lado do cenário (algo extremamente fácil de acontecer), o jogo não dará mais dica alguma. Basta um movimento de câmera rápido demais e pronto, estará preso.

“Ué… por que você ainda está aqui? Tem que pular com o pássaro (nome que demos ao pet em questão) pra lá” - disse, indicando a plataforma escondida.

A reação do Rodrigo foi mais ou menos essa aqui:

A partir desse momento, descobrimos um jogo apaixonante. Considero Curse of Darkness o Castlevania com os puzzles e segredos mais difíceis de desvendar. Jogamos juntos, basicamente. Eu travava em algum ponto, ele me ajudava e vice-versa. Não teríamos chegado tão longe sem essa ajuda mútua. Foi foda…

Uns 3 anos depois

Estudei os três anos do ensino médio em um colégio público técnico/semi-integral. Passava a maior parte do dia na escola. Certo dia, procurando vencer minha timidez, vi um grupo de pessoas interessantes jogando algo no celular e decidi fazer uma "pesquisa de campo", onde notei que jogavam versões mais clássicas de um jogo que me trazia boas memórias e nostalgia…

Por um momento, voltei a ter 12 anos.

“Isso é Castlevania? Pra celular??” - eu não tinha jogado os Castlevania 2D ainda, apenas os clássicos do Nintendo e SNES. São bons jogos, claro… Mas não consigo dizer que gosto de Rondo of Blood como gosto de Symphony of the Night. O estilo metroidvania eternizado pelo IGA me captura muito mais.

Bruno olhou pra mim (primeiro contato até então) e respondeu com um sorriso no canto da boca:

“Na real é um emulador de Gameboy. Esse é o Aria of Sorrow. Já jogou?”

“Só joguei os de PS2…”

“Então liga aí o Bluetooth, vou te mandar” - (por falar em Bluetooth, hoje só serve para conectar com fone de ouvido e som de carro, né?)

E foi assim que descobri Castlevania. Quando penso no ensino médio, algumas coisas me vêm à cabeça: professores despreparados, professores muito bons, algumas tretas que rolaram, estresse por causa do TCC, boas amizades e Castlevania. Descobri nesses anos o quão incrível era essa saga de games. Assim que concluía um jogo, corria para encontrar outro. Joguei Aria of Sorrow, Harmony of Dissonance, Symphony of the Night, Circle of the Moon, Lament of Innocence e outros. Certamente o jogo é, até hoje, uma das franquias pelas quais eu mais me apaixonei… Até que a Konami estragou tudo.

2011: O começo do fim

Um ano antes, foi lançado o terceiro game de uma franquia que se consagrou no PlayStation e que marcou uma geração inteira: God of War III. Eu, particularmente, nunca gostei da saga, porém isso é algo pessoal e sei o quão impactante ela foi. Quem nunca jogou ou pelo menos ouviu falar de Clayton: aquele que curte assassinar deuses? O estilo não me agradava muito, mas a ideia era interessante.

Não me leve a mal, não acho que Castlevania: Lords of Shadow, lançado em 2011, seja um jogo ruim. Na verdade, é excelente. Só é um péssimo Castlevania. Lembro que, na primeira vez que joguei, senti que era uma cópia de God of War. Tentei dar uma chance, juro que tentei… mas não rolou.

Onde estavam as características clássicas? O apreço pelo cenário? A trilha marcante? O estilo gótico? Fatores que fizeram a franquia se tornar o que sempre foi. Além de tudo isso, como se não bastasse, o jogo perdeu sua característica principal: não era mais um metroidvania.

O jogo se tornou linear e o foco todo era a ação. Bata nesse monstro, mate ele em uma cutscene interativa, repita. Foi decepcionante. Como um fã da série, ver que jogos marcantes por suas dificuldades em conseguir explorar todo o mapa de um tenebroso castelo à la Bran Stoker se tornaram apenas um hack ’n’ slash básico e sem qualquer atrativo era quase deprimente.

Isso aconteceu outras vezes com diferentes franquias. Uma clássica e que também fez parte da minha vida foi Resident Evil. É ridículo ver que, após jogos que eternizaram um estilo de sobrevivência, suspense, exploração, puzzles, mistério e terror, lançaram um jogo como Resident Evil: 6. Novamente, excelente jogo, péssimo Resident Evil.

Trago a Capcom e Resident Evil para uma comparação pois, diferentemente da Konami, parece que a Capcom aprendeu com seus erros. Temos Resident Evil 7 e 2 aí para provar tal ponto.

A Konami, por outro lado, parece ser especialista em acabar com clássicos aclamados pelo mundo. Mando um abraço às viúvas de Silent Hill e Metal Gear. Inclusive, como recomendação pessoal, deixo aqui essa página no Facebook. Lá, você encontra excelentes memes e uma saudável demonstração de ódio diário para com a Konami.

Após vários processos trabalhistas vindo a galope, a Konami começou a perder seus grandes nomes. Alguns de anos atrás, outros mais recentemente. Keiichiro Toyama e Hideo Kojima são exemplos. Koji Igarashi não iria escapar do naufrágio que estava acontecendo. Em Março de 2014, é divulgada a notícia: “Produtor veterano de Castlevania abandona a Konami”.

IGA não era apenas um “produtor veterano”; parte da vida de IGA foi Castlevania. Muitos fãs publicaram em suas redes que o Kojima perdia um filho ao abandonar Metal Gear. A analogia é a mesma com IGA. Pensa só… Alguém que consagrou uma franquia, uma história, um gênero! Ter de abandonar isso por simples pressão do mercado da época deve ser horrível.

O futuro de Koji Igarashi e Castlevania era incerto…

Bloodstained: Um novo suspiro

Sem milhões disponíveis em sua conta bancária e confrontando o desinteresse de investidores em um “game 2d à moda antiga”, IGA viu apenas uma alternativa: angariar fundos coletivamente. Em 2015, lançou uma campanha no Kickstarter. Se a campanha alcançasse a meta estabelecida, IGA conseguiria provar aos investidores que os gamers ainda se importam com os estilos clássicos de jogos.

Além da principal, modestos U$ 500k, IGA começou a divulgar novas metas que representavam características e novas features do projeto quando terminado.

Era uma jogada arriscada; uma espécie de tudo ou nada. Entretanto, para a surpresa de todos e, principalmente, do próprio IGA, a meta de U$500k foi batida em 2 dias (se não me engano). A campanha toda, que durou apenas 1 mês, arrecadou mais de 5 milhões de dólares.

Uma das metas atingidas era um jogo extra, nos moldes dos clássicos do Nintendo, o Bloodstained: Curse of the Moon. É brilhante e dificílimo, além de lembrar muito Castlevania 3. Recomendo fortemente.

O jogo

Peço desculpas pela  história gigante. Por mais que eu não tenha participado da campanha no kickstarter (quando soube disso, o tempo para contribuir já havia se esgotado), todo o processo me marcou, sabe? Era o possível ressurgimento de um estilo de jogo que marcou minha vida e que, até então, considerava morto desde 2010.

Bloodstained: Ritual of the Night foi lançado dia 18 de Junho de 2019. Não pude comprar de imediato, porém assim que ganhei um delicioso vale-presente na Steam (do Rodrigo, inclusive), comprei o danado. Instalei no mesmo dia e preparei a noite para a jogatina.

Tinha um certo receio quanto a isso. Depois de tanto tempo, tanta espera… E se o jogo fosse mais ou menos? E se eu tivesse construído um hype tão grande em cima dele que acabaria numa quebra de expectativa? Venci meu medo, digitei o nome do save e encarnei Mirian, uma fragmentada que adentra os horrores da alquimia do sec. XVIII.

Não sou tão bom com palavras… É simples narrar alguns fatos e dizer que algo é bom ou ruim. Agora, narrar sentimentos é outra história. Bloostained trouxe-me uma mistura de vários deles. Me senti com 12 anos novamente.

A ambientação do game é tão fiel à clássica série que chega a ser assustador. É difícil, em determinados momentos, de lembrar que não está jogando um Castlevania. Há alguns aspectos que vou detalhar, mas quero que já saiba; a trilha sonora, ambientação, estilo e direção de arte... Sim, está tudo maravilhoso e não é à toa…

Mishiru Yamane foi convocada para liderar a trilha sonora novamente, e não era de se esperar menos.  Seus magníficos trabalhos e sua habilidade monstruosa que foram lançados ao mundo em Symphony of the Night  e Curse of Darkness se repetem. A música tema do jogo por si só já mostra isso:

O visual dessa grande obra não poderia ser esquecida e, obviamente, ninguém menos que Ayami Kojima também foi convocada. Em diversos jogos da série Castlevania, ela foi a diretora responsável por dar o famoso ar gótico nas ilustrações do cenário e em seus detalhes.

O dream team está unido mais uma vez.

Não quero ficar destrinchando todos os aspectos da gameplay por não achar que o post seja sobre isso. Resumidamente, Bloodstained bebe das fontes de seus finados antecessores. No combate, por exemplo, é visível a influência de Symphony of the Night; A manipulação de armas e suas criações é algo que veio de Curse of Darkness.

Um dos elementos mais interessantes do jogo é a busca por fragmentos. Por ser uma fragmentada, Mirian pode absorver diferentes habilidades dos demônios trazidos ao mundo pela “alquimia” dessa época e utilizá-las em benefício próprio. É uma reinterpretação do sistema de almas absorvidas em Castlevania: Aria of Sorrow.

A lista de familiars é excelente, cada um tendo suas próprias características e utilidades em determinadas situações. Minha única crítica (até então, a única ao jogo) é que acho um pouco fácil encontrar todos os familiars… Mas isso é apenas um detalhe.

Bloodstained possui personagens carismáticos e uma premissa muito atrativa. Assim como nos jogos clássicos, é possível utilizar outros personagens e aventurar em outros modos de jogo, como boss rush.

Viu só? Não queria, mas acabou acontecendo. Como o site não é focado em games, não queria entrar nestes detalhes. Porém, faz parte… O que posso dizer é que o jogo é excelente. Divertido, cativa, ressuscita um estilo esquecido e, o mais importante, me fez lembrar e reviver momentos em que passava tardes jogando PS2, movido pelo “instinto gamer” e pela curiosidade de desbravar todos os segredos daqueles corredores vitorianos repletos de monstros.

Bloodstained me fez lembrar… da infância.

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